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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Cercar a Rússia, visar a China: O verdadeiro papel da OTAN na grande estratégia dos EUA.


 A OTAN é na verdade um instrumento da estratégia dos Estados Unidos. O seu único Conceito Estratégico operacional é o que é posto em prática pelos Estados Unidos. Mas até esse é um fantasma esquivo. Segundo parece, os dirigentes americanos preferem posições impressionantes, “soluções espectaculares”, em vez de definirem estratégias.

 Um dos que pretende definir uma estratégia é Zbigniew Brzezinski, padrinho dos mujahidin afegãos quando estes podiam ser utilizados para destruir a União Soviética. Brzezinski não se coibiu de declarar abertamente o objectivo estratégico da política dos EUA no seu livro de 1993, O Grande Tabuleiro de Xadrez: “A supremacia americana”. Quanto à OTAN, descreveu-a como uma das instituições que servem para perpetuar a hegemonia americana, “fazendo dos Estados Unidos um participante chave até nos assuntos intra europeus”. Na sua “rede global de instituições especializadas”, que obviamente incluem a OTAN, os Estados Unidos exercem o seu poder através de uma “permanente negociação, diálogo, difusão e procura de um consenso formal, apesar de o poder ser sempre proveniente duma única fonte, nomeadamente, Washington, D.C.”

 Esta descrição assenta como uma luva na conferência “Conceito Estratégico” de Lisboa. Na ocasião, o secretário-geral dinamarquês da OTAN, Anders Fogh Rasmussen, anunciou que “estamos muito perto de um consenso”. E este consenso, de acordo com o New York Times, “seguirá provavelmente a formulação do Presidente Barack Obama: trabalhar para um mundo não nuclear mantendo embora um dissuasor nuclear”.
 
 Esperem aí, será que isto faz sentido? Não, mas é o tipo de consenso da OTAN. A paz através da guerra, o desarmamento nuclear através do armamento nuclear, e acima de tudo, a defesa dos estados membros enviando forças expedicionárias para enfurecer os nativos de países distantes.

Uma estratégia não é um consenso escrito por comissões.

 O método americano de “permanente negociação, diálogo, difusão e procura de um consenso formal” neutraliza qualquer resistência que possa aparecer ocasionalmente. Assim, a Alemanha e a França resistiram inicialmente à entrada da Geórgia para a OTAN, assim como ao célebre “escudo anti-míssil”, considerados ambos como provocações abertas capazes de provocar uma nova corrida às armas com a Rússia e de prejudicar as frutuosas relações da Alemanha e da França com Moscow, sem qualquer resultado útil. Mas os Estados Unidos não aceitam um não como resposta, e continuam a repetir os seus imperativos até esmorecer a resistência. A única excepção na história recente foi a recusa da França em aderir à invasão do Iraque, mas a reação irritada dos EUA assustou a classe política conservadora francesa o que levou ao apoio de Nicolas Sarkozy, pró-estadunidense.


À procura de “ameaças” e “desafios”

 O verdadeiro sumo do que passa por um “conceito estratégico” foi declarado pela primeira vez e posto em ação na primavera de 1999, quando a OTAN desafiou a lei internacional, as Nações Unidas e a sua própria carta inicial entrando numa guerra agressiva, fora do seu perímetro de defesa, contra a Iugoslávia. Esse passo transformou a OTAN de uma aliança defensiva para uma aliança ofensiva. Dez anos depois, a madrinha dessa guerra, Madeleine Albright, foi escolhida para presidir ao “grupo de especialistas” que passaram vários meses a realizar seminários, consultas e reuniões para preparação da agenda de Lisboa. Entre os mais importantes nesses encontros, estavam Lord Peter Levene, presidente do Lloyd’s de Londres, a gigantesca seguradora, e o antigo diretor executivo da Royal Dutch Shell, Jeroen van der Veer. Estas figuras da classe dirigente não são propriamente estrategistas militares, mas a sua participação serve para garantir à comunidade internacional de negócios que serão levados em consideração os seus interesses a nível mundial.

 É bem verdade que o rol de ameaças enumeradas pelo secretário-geral da OTAN, Rasmussen, num discurso em 2009 dava a entender que a OTAN estava a trabalhar para a indústria dos seguros. Disse ser necessário que a OTAN tratasse do combate à pirataria, da segurança cibernética, da alteração climática, de incidentes radicais do clima tais como tempestades e inundações catastróficas, da subida dos níveis do mar, da movimentação em grande escala de populações para áreas desabitadas, por vezes atravessando fronteiras, da escassez de água, secas, da diminuição da produção de alimentos, do aquecimento global, das emissões de CO2, do recuo dos gelos do Ártico, que revelam recursos até agora inacessíveis, da eficiência de combustíveis, da dependência de recursos externos, etc.

 A maior parte das ameaças apresentadas nem mesmo de longe podem ser interpretadas como exigindo soluções militares. Obviamente, não são os “estados vilões” nem os “bastiões de tirania” nem os “terroristas internacionais” que são responsáveis pela alteração climática, no entanto Rasmussen apresenta-os como desafios para a OTAN.


 Por outro lado, alguns dos resultados destes cenários, como os movimentos de populações provocados pela subida dos níveis do mar ou pela seca, podem de fato ser considerados como potenciais causas de crises. O aspecto sinistro desta enumeração é precisamente que esses problemas são avidamente agarrados pela OTAN como exigindo soluções militares.

 A maior ameaça para a OTAN é estar obsoleta. E a procura de um “conceito estratégico” é a procura de pretextos para se manter em ação.

A Ameaça da OTAN para o Mundo

Embora ande à procura de ameaças, é a própria OTAN que constitui uma ameaça crescente para o mundo. A ameaça básica é a sua contribuição para o reforço da tendência liderada pelos EUA para abandonar a diplomacia e as negociações a favor da força militar. Isto percebe-se claramente quando Rasmussen inclui os fenômenos climáticos na sua lista de ameaças para a OTAN, quando eles deviam ser, pelo contrário, problemas para a diplomacia e negociações internacionais. O perigo crescente é que a diplomacia ocidental está moribunda. Os Estados Unidos deram o tom: nós somos virtuosos, nós temos o poder, o resto do mundo tem que obedecer, senão…

A diplomacia é desprezada como sendo uma fraqueza. O Departamento de Estado há muito que deixou de estar no centro da política externa dos EUA. Com a sua ampla rede de bases militares em todo o mundo, assim como adidos militares em embaixadas e inúmeras missões em países clientes, o Pentágono é incomparavelmente mais poderoso e influente no mundo do que o Departamento de Estado.


 Os últimos Secretários de Estado, longe de procurarem alternativas diplomáticas à guerra, desempenharam de fato um papel preponderante na defesa da guerra em vez da diplomacia, desde Madeleine Albright nos Balcãs ou Colin Powell acenando com falsos tubos de ensaio no Conselho de Segurança das Nações Unidas. A política é definida pelo Conselheiro de Segurança Nacional, por diversos grupos de opinião financiados por privados e pelo Pentágono, com a intervenção de um Congresso que, por sua vez, é formado por políticos ansiosos em obter contratos militares para as suas clientelas.

 A OTAN está a arrastar os aliados europeus de Washington pelo mesmo caminho. Tal como o Pentágono substituiu o Departamento de Estado, a OTAN está a ser utilizada pelos Estados Unidos como um potencial substituto para as Nações Unidas. A “guerra do Kosovo” de 1999 foi um primeiro passo importante nessa direção. A França de Sarkozy, depois de ter entrado no comando conjunto da OTAN, está a destruir os serviços de estrangeiros franceses, tradicionalmente competentes, reduzindo a sua representação civil em todo o mundo. Os serviços de estrangeiros da União Europeia que estão a ser criados por Lady Ashton não vão ter nem política nem autoridade próprias.


Inércia burocrática

 Por detrás dos seus apelos aos “valores comuns”, a OTAN é impulsionada sobretudo pela sua inércia burocrática. A própria aliança é uma excrescência do complexo militar-industrial dos EUA. Há sessenta anos que as aquisições militares e os contratos do Pentágono têm sido uma fonte essencial da investigação industrial, dos seus lucros, de empregos, de carreiras no Congresso e até mesmo de financiamentos universitários. A interação destes diversos interesses converge para determinar uma estratégia implícita dos EUA de conquista do mundo.

 Uma rede global sempre em expansão de umas 800 a mil bases militares em solo estrangeiro.

Mapa do conceito americano de guerra ao terrorismo e da estratégia de abordagem agressiva.
 Acordos militares bilaterais com estados clientes que oferecem formação em troca da compra obrigatória de armas feitas nos EUA e da reestruturação das suas forças armadas, trocando a defesa nacional pela segurança interna (ou seja, repressão) e a possível integração nas guerras de agressão lideradas pelos EUA.

 Utilização dessas relações estreitas com as forças armadas locais para influenciar a política interna de estados mais fracos.

 Exercícios militares permanentes com estados clientes, que fornecem ao Pentágono um conhecimento perfeito sobre o potencial militar dos estados clientes, os integram na máquina militar dos EUA e alimentam uma mentalidade de “prontos para a guerra”.

 Posicionamento estratégico da sua rede de bases, exercícios com “aliados” e militares de forma a cercar, isolar, intimidar e acabar por provocar importantes nações consideradas potenciais rivais, nomeadamente a Rússia e a China.


Armas nucleares dos EUA implanatadas na Europa.
 A estratégia implícita dos Estados Unidos, tal como as suas ações dão a entender, é uma conquista militar gradual para garantir o domínio do mundo. Uma característica original deste projeto de conquista do mundo é que, embora extremamente ativo, dia após dia, é praticamente ignorado pela grande maioria da população da nação conquistadora, assim como pelos seus aliados mais estreitamente dominados, ou seja, pelos estados da OTAN.

 A propaganda infindável acerca das “ameaças terroristas” (as pulgas do elefante) e outras diversões mantêm a maioria dos americanos totalmente inconscientes quanto ao que se está a passar, tanto mais facilmente quanto os americanos praticamente desconhecem o resto do mundo e portanto não se interessam minimamente. Os EUA podem varrer do mapa um país antes que a grande maioria dos americanos saiba onde é que ele se encontra.

 A tarefa principal dos estrategistas dos EUA, cujas carreiras passam pelos grupos de opinião, conselhos de diretores, firmas de consultadoria e governo, é muito mais justificar este gigantesco mecanismo do que tentar dirigi-lo. Em grande medida, ele dirige-se a si mesmo.

 Desde o colapso da “ameaça soviética”, que os políticos andam à procura de ameaças invisíveis ou potenciais. A doutrina militar dos EUA tem como objetivo atuar preventivamente contra qualquer rival potencial para a hegemonia mundial dos EUA. Desde o colapso da União Soviética, é a Rússia que mantém o maior arsenal bélico para além dos Estados Unidos e a China está a crescer rapidamente em poder econômico. Nenhum deles ameaça os Estados Unidos ou a Europa ocidental. Pelo contrário, ambos estão dispostos e desejosos de se concentrarem em negócios pacíficos.


 Mas encontram-se cada vez mais alarmados com o cerco militar e com os exercícios militares provocatórios realizados pelos Estados Unidos mesmo à sua porta. A implícita estratégia agressiva pode ser obscura para a maioria dos americanos, mas de certeza absoluta que os dirigentes dos países visados percebem o que se está a passar.

O Triângulo Rússia-Irã-Israel

 Atualmente, o principal “inimigo” explícito é o Irã.

 Washington afirma que o “escudo anti-míssil”, que está a tentar impor aos seus aliados europeus, se destina a defender o ocidente do Irã. Mas os russos vêem muito claramente que o escudo anti-míssil está virado contra eles. Primeiro que tudo, sabem perfeitamente bem que o Irã não tem mísseis desses nem nenhum motivo para os usar contra o ocidente. É perfeitamente óbvio para todos os analistas bem informados que, mesmo que o Irã desenvolvesse armas nucleares e mísseis, seriam destinados a funcionar como dissuasor contra Israel, a superpotência nuclear regional que tem mãos livres para atacar os países vizinhos. Israel não quer perder essa liberdade de atacar, e naturalmente opõe-se ao dissuasor iraniano.



 Os propagandistas israelenses clamam em voz alta contra a ameaça do Irã, e têm trabalhado incansavelmente para infectar a OTAN com a sua paranóia.

 Israel até já foi descrita como o “29º membro da OTAN global”. Os funcionários israelenses têm trabalhado assiduamente junto de uma Madeleine Albright receptiva para se assegurarem de que os interesses israelenses são incluídos no “Conceito Estratégico”. Nos últimos cinco anos, Israel e a OTAN tomaram parte em exercícios navais conjuntos no Mar Vermelho e no Mediterrâneo, assim como em exercícios terrestres conjuntos desde Bruxelas até à Ucrânia. Em 16 de Outubro de 2006, Israel tornou-se no primeiro país não europeu a fazer um acordo chamado “Programa de Cooperação Individual” com a OTAN para cooperação em 27 áreas diferentes.

 Vale a pena notar que Israel é o único país fora da Europa que os EUA incluem na área da responsabilidade do seu Comando Europeu (em vez do Comando Central que cobre o resto do Médio Oriente).

 Num seminário de Relações OTAN-Israel em Herzliya em 24 de Outubro de 2006, o ministro dos estrangeiros israelense na altura, Tzipi Livni, declarou que “A aliança entre a OTAN e Israel é uma coisa natural… Israel e a OTAN partilham uma visão estratégica comum. Sob muitos aspectos, Israel é a linha da frente que defende o nosso estilo de vida comum”.

 Nem toda a gente nos países europeus considera que os colonatos israelenses na Palestina ocupada refletem “o nosso estilo de vida comum”.


 Esta é sem dúvida uma das razões por que o aprofundamento da união entre a OTAN e Israel não assumiu a forma aberta de membro da OTAN. Principalmente depois do selvagem ataque a Gaza, uma decisão dessas iria levantar objeções nos países europeus. No entanto, Israel continua a fazer-se convidado para a OTAN, apoiado ardentemente, claro, pelos seus fieis seguidores no Congresso dos EUA.

Como os EUA podem destruir o programa nuclear iraniano.
 A causa principal desta crescente simbiose Israel-OTAN foi identificada por Mearsheimer e Walt: é o vigoroso e poderoso lobby pró-Israel nos Estados Unidos. [1]

 Os lobbies israelenses também são fortes em França, na Grã-Bretanha e no Reino Unido. Têm desenvolvido com entusiasmo o tema de Israel como a “linha da frente” na defesa dos “valores ocidentais” contra o Islã militante. O fato de o Islão militante ser principalmente um produto dessa “linha da frente” cria um círculo vicioso perfeito.

 A atitude agressiva de Israel para com os seus vizinhos regionais seria uma responsabilidade grave para a OTAN, capaz de ser arrastada para guerras do interesse de Israel que não interessam mesmo nada à Europa.



 Mas há uma sutil vantagem estratégica na conexão israelense que, segundo parece, está a ser usada pelos Estados Unidos… contra a Rússia.

 Subscrevendo a histérica teoria da “ameaça iraniana”, os Estados Unidos podem continuar a afirmar, sem corar, que o planejado escudo anti-míssil é dirigido contra o Irã, e não contra a Rússia. Não é que esperem convencer os russos. Mas pode ser utilizado para fazer com que os protestos deles pareçam “paranóicos” – pelo menos aos ouvidos dos ingênuos ocidentais. Meu caro, de que é que eles se queixam, se nós “restabelecemos” as nossas relações com Moscou e convidamos o presidente russo para a nossa alegre assembléia de “Conceito Estratégico?


No entanto, os russos sabem muito bem que:

 O escudo anti-míssil vai ser construído em volta da Rússia, que tem mísseis, que mantêm como dissuasores.

 Neutralizando os mísseis russos, os Estados Unidos ficam de mãos livres para atacar a Rússia, sabendo que a Rússia não pode retaliar.

 Portanto, digam o que disserem, o escudo anti-míssil, se funcionar, servirá para facilitar uma eventual agressão contra a Rússia.

O cerco em volta da Rússia

 O cerco em volta da Rússia continua no Mar Vermelho, no Báltico e no círculo Ártico.

 Funcionários dos Estados Unidos continuam a afirmar que a Ucrânia deve integrar a OTAN.

 Numa coluna do New York Times, Ian J. Brzezinski, filho de Zbigniew, avisou Obama quanto ao perigo do abandono da “visão” de uma Europa “unida, livre e segura” incluindo “a inclusão da Geórgia e da Ucrânia na OTAN e na União Europeia”. O fato de a grande maioria da população da Ucrânia ser contra a entrada na OTAN não foi tida em consideração.

 Para o atual rebento da nobre dinastia Brzezinski é a minoria que conta. Abandonar a visão “isola os que, na Geórgia e na Ucrânia, vêem o seu futuro na Europa. Reforça as aspirações do Kremlin a uma esfera de influência…”

 A noção de que “o Kremlin” aspira a uma “esfera de influência” na Ucrânia é absurda, considerando os laços históricos extremamente fortes entre a Rússia e a Ucrânia, cuja capital Kiev foi o berço do estado russo. Mas a família Brzezinski é proveniente da Galícia, a parte da Ucrânia ocidental que pertenceu outrora à Polónia, e que é o centro da minoria anti-russa. A política externa dos EUA é demasiado frequentemente influenciada por essas rivalidades estrangeiras que a grande maioria dos americanos ignora completamente.

 Os EUA continuam com a sua insistência incansável em absorver a Ucrânia apesar de isso implicar a expulsão da frota russa do Mar Negro da sua base na península da Crimeia, onde a população local é esmagadoramente de língua russa e pró-russa. Isto é a receita para uma guerra com a Rússia, se alguma vez ocorrer.

 Para além das manobras navais provocatórias no Mar Negro, os Estados Unidos, a OTAN e a Suécia e a Finlândia que não são (ainda) membros da OTAN, realizam regularmente importantes exercícios militares no Mar Báltico, praticamente à vista das cidades russas de São Petersburgo e Kaliningrad. Estes exercícios envolvem milhares de efetivos terrestres, centenas de aeronaves, incluindo os caças a jacto F-15, aviões AWACS, assim como forças navais que incluem o U.S. Carrier Strike Group 12, barcos de desembarque e navios de guerra de uma dúzia de países.

 Talvez o mais sinistro disto tudo, os Estados Unidos têm envolvido persistentemente, na região do Ártico, o Canadá e os estados escandinavos (incluindo a Dinamarca através da Groelândia) num posicionamento estratégico militar abertamente dirigido contra a Rússia. O objetivo deste posicionamento no Ártico foi afirmado por Fogh Rasmussen quando referiu, entre as “ameaças” que a OTAN tem que enfrentar, o fato de que o “gelo do Ártico está a recuar, libertando recursos que até agora têm estado cobertos pelos gelos”.


 Ora bem, podíamos pensar que esta descoberta de recursos seria uma oportunidade para a cooperação na sua exploração. Mas não é essa a disposição oficial dos EUA.

   Em Outubro passado, o almirante americano James G. Stavridis, comandante supremo da OTAN na Europa, disse que o aquecimento global e a corrida aos recursos podia levar a um conflito no Ártico. O almirante Christopher C. Colvin, da Guarda Costeira, responsável pela linha costeira do Alasca, disse que a atividade mercante marítima russa no Oceano Ártico constituía uma “preocupação especial” para os EUA e pediu mais recursos militares na região.

 O Serviço Geológico dos EUA crê que o Ártico contém um quarto dos depósitos mundiais inexplorados de petróleo e de gás. Sob a Convenção da Lei dos Mares das Nações Unidas, de 1982, um estado costeiro tem direito a uma EEZ [Zona Econômica Exclusiva] de 200 milhas náuticas e pode reclamar mais 150 milhas se provar que o fundo do mar é a continuação da sua plataforma continental.
A Rússia está a requerer esta pretensão.


 Depois de pressionar o resto do mundo a adotar a Convenção, o Senado dos Estados Unidos ainda não ratificou o Tratado.

 Em Janeiro de 2009, a OTAN declarou que o “Alto Norte” era de “interesse estratégico para a Aliança” e, desde então, a OTAN tem realizado vários importantes jogos de guerra nitidamente em preparação de um eventual conflito com a Rússia sobre os recursos do Ártico.

 A Rússia desmantelou fortemente as suas defesas no Ártico depois do colapso da União Soviética e tem apelado para a negociação de compromissos quanto ao controle de recursos.

 Em Setembro passado, o primeiro-ministro Vladimir Putin apelou esforços conjuntos para proteger o frágil ecossistema, atrair o investimento estrangeiro, promover tecnologias amigas do ambiente e tentar solucionar as disputas através da lei internacional.

 Mas os Estados Unidos, como de costume, preferem resolver as questões pela força. Isso pode levar a uma nova corrida ao armamento no Ártico e até mesmo a confrontos armados.

 Apesar de todas estas movimentações provocatórias, é muito pouco provável que os Estados Unidos procurem uma guerra com a Rússia, embora não se possam excluir confrontos e incidentes aqui e além. Segundo parece, a política dos EUA é cercar e intimidar a Rússia de tal modo que ela aceite um estatuto de semi-satélite que a neutralize no futuro conflito previsível com a China.

O alvo China

 A única razão para ter a China no ponto da mira é o mesmo da razão proverbial para subir a uma montanha: está ali. É grande. E os EUA têm que estar no topo de tudo.

 A estratégia para dominar a China é a mesma seguida para com a Rússia. É a guerra clássica: cerco, assédio, apoio mais ou menos clandestino a problemas internos. Como exemplos desta estratégia:

 Os Estados Unidos estão a reforçar provocatoriamente a sua presença militar ao longo das costas chinesas do Pacífico, oferecendo “proteção contra a China” a países asiáticos do leste.


 Durante a guerra-fria, quando a Índia recebia o seu armamento da União Soviética e assumia uma postura não alinhada, os Estados Unidos armaram o Paquistão enquanto seu principal aliado regional.


 Agora os EUA estão a desviar os seus favores para a Índia, a fim de manter a Índia fora da órbita da Organização de Cooperação Xangai e de a utilizar como um contrapeso para a China.

 Os Estados Unidos e seus aliados apóiam qualquer dissidência interna que possa enfraquecer a China, seja o Dalai Lama, os Uighurs, ou Liu Xiaobo, o dissidente na prisão.

 O Prêmio Nobel da Paz foi atribuído a Liu Xiaobo por uma comissão de legisladores noruegueses chefiados por Thorbjorn Jagland, o eco de Tony Blair na Noruega, que foi primeiro-ministro e ministro dos estrangeiros da Noruega, e tem sido um dos principais defensores da OTAN do seu país.

 Numa conferência patrocinada pela OTAN de parlamentares europeus no ano passado, Jagland declarou: “Quando somos incapazes de impedir a tirania, começa a guerra. É por isso que a OTAN é indispensável. A OTAN é a única organização militar multilateral com raízes na lei internacional. É uma organização que as N.U. podem usar quando necessário – para impedir a tirania, tal como fizemos nos Balcãs”. Isto é uma espantosa adulteração dos fatos, considerando que a OTAN desafiou abertamente a lei internacional e as Nações Unidas quando declarou guerra nos Balcãs – onde na realidade havia conflitos étnicos mas não havia “tirania” nenhuma.

 Ao anunciar a escolha de Liu, a comissão norueguesa do Nobel, chefiada por Jagland, declarou que “há muito que considerava que há uma estreita ligação entre os direitos humanos e a paz”. A “estreita ligação”, para seguir a lógica das próprias afirmações de Jagland, é que, se um estado estrangeiro não respeita os direitos humanos segundo as interpretações ocidentais, pode ser bombardeado, tal como a OTAN bombardeou a Iugoslávia. De fato, os mesmos poderes que mais barulho fizeram sobre os “direitos humanos”, nomeadamente os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, são os que mais guerras fazem em todo o mundo. As afirmações do norueguês tornam claro que a atribuição do Prêmio Nobel da Paz a Liu (que passou algum tempo na Noruega quando jovem) correspondia na realidade a uma confirmação da OTAN.

“Democracias” para substituir as Nações Unidas

 Os membros europeus da OTAN pouco acrescentam ao poder militar dos Estados Unidos. A sua contribuição é acima de tudo política. A sua presença mantém a ilusão duma “Comunidade Internacional”. A conquista do mundo que está a ser tentada pela inércia burocrática do Pentágono pode ser apresentada como a cruzada das “democracias” do mundo para espalhar a sua ordem política esclarecida pelo resto de um mundo recalcitrante.


Os governos euro-atlânticos proclamam a sua “democracia” como prova do seu direito absoluto de intervir nos assuntos do resto do mundo. Com base na falácia de que os “direitos humanos são necessários para a paz”, proclamam o seu direito a fazer a guerra.

Uma questão crucial é se a “democracia ocidental” ainda tem força para desmantelar esta máquina de guerra antes que seja tarde demais.

Nota: Agradecimentos a Rick Rozoff pelo seu permanente fluxo de importantes informações.

Sobre a autora: Diana Johnstone é analista de política internacional escpecializada em assuntos militares.

[1] No seu livro “The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy” (2007), descrevem este lobby como uma “coligação informal de indivíduos e organizações que trabalham ativamente para guiar a política externa dos EU numa direcção pró-Israel”. O livro “concentra-se principalmente na influência do lobby sobre a política externa dos EU e nos seus efeitos negativos para os interesses americanos” (N.T.)

Fonte: http://mariafro.com.br/wordpress/2011/03/27/cercar-a-russia-visar-a-china-o-verdadeiro-papel-da-otan-na-grande-estrategia-dos-eua/

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